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Dinheiro não é a solução

LecbellFeb 1, 2018, 4:22:53 PM
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A ciência no Brasil vai mal, muito mal. Nossas melhores Universidades públicas, a elite acadêmica da nação, estão à beira de um abismo orçamentário praticamente inescapável. Nossas melhores mentes, como Herculano-Houzel, sabiamente buscam abrigo em instituições mais prósperas, eficientes e seguras. E, no entanto, as Universidades privadas brasileiras são inexpressivas: portanto não há uma luz no fim do túnel.

A solução-padrão de 9 em cada 10 professores, estudantes ou sindicalistas é a mesma: mais verbas. As Universidades estão à beira da falência? Ora, basta aprovar um orçamento maior. A produção acadêmica é tímida e de qualidade duvidosa? Mais verbas resolvem, certamente. A inovação técnica é praticamente inexistente? Mais verbas. Nenhum Nobel? Mais verbas. Pouco retorno à sociedade? Mais verbas!

É óbvio que no melhor dos mundos possíveis haveria orçamentos infinitos e nenhum corte ou ajuste seria jamais necessário. Entretanto, mesmo com verba infinita há problemas maiores do que simplesmente a falta de dinheiro. Há problemas técnicos, estruturais, burocráticos e vários outros que dificultam ou até impossibilitam o sucesso do empreendimento acadêmico/científico no Brasil.

Em resumo, antes de clamar por mais verbas é necessário garantir que a verba atual seja adequadamente alocada, que o investimento seja produtivo. E não parece ser o caso. Para esclarecer minha hipótese, discuto o orçamento de 2017 de dois titãs em termos acadêmicos locais: a toda-poderosa USP, ilustrando o caso brasileiro; e a Max Planck Gesellschaft, para quem não encontro adjetivos à altura.



A Universidade de São Paulo é uma Universidade Estatal paulista, uma autarquia majoritariamente financiada pelo Governo do Estado de São Paulo. Fundada em 1934, ao reunir diversas faculdades paulistas ilustres e criar vários novos institutos de ensino e pesquisa, é uma das mais prestigiadas — talvez a mais prestigiada — Universidades brasileiras e, de fato, assume papel importante no cenário científico e acadêmico nacional. 

Apesar de alguns trabalhos memoráveis e de impacto mediano ou até alto, e apesar de colecionar alguns prêmios internacionais, a gloriosa USP não detém um único Nobel e, pior, não parece interessada em trazer laureados para lecionar e pesquisar. Também não é fonte abundante de patentes. 

Mas a desculpa é sempre a mesma: falta dinheiro. E falta mesmo: não é de hoje que ela fecha os anos com déficit orçamentário. Na melhor das situações lhe falta um orçamento anual 8,8% maior. Entretanto, minha hipótese é de que a verba destinada à USP não é exatamente escassa, mas terrivelmente mal alocada.

Vejamos o orçamento de 2017, onde bi se refere a bilhões de reais e mi a milhões de reais:
Total: R$5,05bi
— déficit orçamentário previsto ao final do ano: R$610,5mi;
— o Governo de São Paulo financia a Universidade com R$4,8bi, dos quais R$4,6bi (96,5% deste investimento) são destinados à folha de pagamento;
— a Universidade conta ainda com R$143mi de Receita Própria e de mais R$101mi de Receita Vinculada (provavelmente bolsas e afins);

Olhando por cima tais números, percebe-se que o orçamento da USP não é exatamente escasso e, no entanto, a maior parte do repasse direto do Governo de São Paulo não se destina à manutenção ou aquisição de infraestrutura, laboratórios, insumos de pesquisa, trabalhos em campo ou coisas assim, mas à folha de pagamento de seus professores e funcionários — muitos dos quais estão inativos, afastados ou aposentados. 

A USP, entretanto, não é a única Universidade estadual paulista. Igual prestígio recai sobre a UniCamp, outra das grandes no cenário nacional, além da UNESP, das FATECs e da maior agência de fomento à pesquisa do Brasil, a FAPESP (que não investe apenas em projetos das Universidades paulistas). O investimento do Governo de São Paulo em ensino, pesquisa e desenvolvimento em nível Superior está longe de ser irrelevante. Se os resultados estão aquém, muito aquém do desejado, não se deve a pura e simplesmente à alegada falta de verbas.



Uma das maiores instituições de ensino e pesquisa do mundo é a alemã Max Planck Gesellschaft (MPG), refundada em 1948 e previamente conhecida como Kaiser Wilhelm Gesellschaft (fundada em 1911). A atual "encarnação" da instituição é detentora de 18 Prêmios Nobel (totalizando 33 ao somarmos os 15 prêmios entre 1914 e 1947).

Ela é considerada a maior instituição de pesquisa da Europa e uma das maiores do mundo, ocupando o quinto lugar em impacto de publicações, o terceiro lugar em volume de publicações e, alegadamente, o segundo lugar em importância no cenário global de pesquisa científica básica. Resumindo, é ciência de ponta. 

A instituição é majoritariamente financiada pelo Estado Alemão, mas conta com massivos investimentos da iniciativa privada e da União Européia. Utilizando a cotação de 1€=R$3,96, o orçamento da Max Planck em 2017 é:
Total: R$7,13bi, sem déficit orçamentário;
— o governo da Alemanha financia, ao total, R$5,55bi (aproximadamente R$3bi do Governo Federal e R$2,55bi do Governo do Estado da Bavária);
— no total, R$1,58bi provém de investimentos de terceiros e receita própria;

Deste orçamento, apenas 49,5% é destinado à folha de pagamento, totalizando R$3,53bi: um valor que é cerca de R$1,07bi abaixo do custo da USP em folha de pagamento. E, mais, a MPG fecha os anos com superávit: em 2016 foram R$817mi em superávit (mas este valor é composto, também, da soma de superávit dos anos anteriores).

É interessante notar que cada esfera do governo alemão investe na MPG menos do que o governo de São Paulo investe na USP. O investimento Estatal total da MPG é cerca de 13% superior ao investimento Estatal direto sobre a USP.

Entretanto, é difícil atribuir tamanha diferença de rendimento a estes 13% extra de investimento Estatal. Tudo indica que a eficiência do investimento público brasileiro em ensino, pesquisa e desenvolvimento é extremamente ineficiente.

Pesquisa e desenvolvimento de ponta é geralmente um empreendimento majoritariamente Estatal, como vimos pelo orçamento da MPG. Entretanto, há dois pontos muito importantes que deveriam orientar uma reforma radical no modelo brasileiro: primeiro, maior permissividade aos investimentos da iniciativa privada nos empreendimentos acadêmicos e científicos; segundo, um remodelamento desde a base do modelo estrutural da Academia nacional, porque destinar 96,5% do investimento Estatal à folha de pagamento não é fazer ciência e produzir conhecimento, mas transferir renda pública a uma seleta casta de "amigos do rei".

Para deixar claro: obviamente que maior orçamento ajuda, mas nem de longe o problema maior do cenário científico nacional é pura e simplesmente escassez de verbas.