A quarta temporada de Black Mirror está disponível na Netflix. Como a maioria dos aficionados pela série, devorei todos os episódios no dia do lançamento. E não pude deixar de notar que um dos episódios da terceira temporada, San Junipero, parece ter deixado uma marca permanente na série.
Primeiro, pra quem não se lembra da temporada passada: San Junipero é (spoiler alert) aquele episódio onde duas velhinhas com doenças terminais têm suas consciências digitalizadas para uma realidade virtual, e termina com o que pode ser considerado, pelo menos para os padrões de Black Mirror, quase um "final feliz".
Aparentemente muita gente gostou bastante desse episódio. Gente o suficiente para influenciar pesadamente a quarta temporada, em pelo menos dois pontos.
Primeiro, a temática. De seis episódios nessa temporada, pelo menos em três deles o tema central é, de alguma forma, uma tecnologia que transfere sua consciência pra um ambiente eletrônico. A variedade de temas parecia uma das marcas de Black Mirror - cada episódio apresentava um cenário completamente diferente do anterior. Agora, eles estão todos muito parecidos - mesmo os outros três que não são sobre consciências digitais - com algum episódio anterior. E a tentativa mais explícita de colocar todos os episódios como parte de uma mesma "linha do tempo" só parece reforçar isso.
Em segundo, a prevalência de algo mais próximo de um "final feliz" que nas temporadas anteriores. Black Mirror sempre foi uma série incômoda. Nem todos os episódios eram trágicos ou aterrorizantes, mas sempre deixavam um incômodo no final. Mesmo quando o protagonista acabava se dando bem, caso de Fifteen Million Merits, a sensação era de incômodo. A lição era que ele perdeu, mesmo que sua vida estivesse melhor.
Na quarta temporada, esse incômodo final - ou melhor dizendo, incômodo pós-final - não aparece tanto. Você leva um tempo pra perceber quem é o protagonista do episódio, e às vezes quem você achava que era protagonista no início se revela antagonista no meio. Mas é bem seguro dizer que, depois que o protagonista foi revelado, ele vai terminar o episódio com (algum grau de) sucesso. Na verdade, apenas em um episódio dos seis (Metalhead) eu diria que a protagonista terminou sem sucesso. Ainda assim, nem mesmo esse episódio é uma derrota total. Ela ainda derrota o antagonista da história antes do fim que é trágico mas é, digamos, bem-resolvido.
Claro, não é um final do tipo "felizes para sempre". Ainda é Black Mirror. Mas é um Black Mirror um pouco diferente. Não vai te deixar olhando pro teto refletindo sobre a vida quando botar a cabeça no travesseiro.
É um Black Mirror com conclusões mais definitivas, com protagonistas mais bem sucedidos. Um Black Mirror onde os finais de cada episódio proporcionam muito menos incômodo e muito mais alívio.
Ah, e um Black Mirror com bem mais consciências digitalizadas.